ENTREVISTA
LEPH - Revista Me Conta Essa História Nov. 2020 Ano I Nº 011 ISSN - 2675-3340 UFJ.
Por Cássio Santos Franco
[1] Discente do curso de História na Universidade Federal de Jataí - UFJ.
A presente entrevista tem como objetivo trazer discussões e provocar reflexões acerca das demandas das mulheres bissexuais. Como resultado, traremos a representatividade que é tão cara para essa comunidade. Visto isso, quem me deu a honra da entrevista foi a discente e pesquisadora do curso de licenciatura em Letras Português da Universidade Federal de Jataí – UFJ, Natália D’Ambros, 21 anos, natural de Pato Branco – PR. Segundo ela, o processo de reconhecimento da sua sexualidade se deu de forma confusa, devido aos estereótipos posto às mulheres bissexuais, normalmente, reforçados pelas pessoas binárias. Por consequência, a insegurança é um fator atrelado à sua vivência, porém com o acesso à pesquisa as barreiras criadas por esses preconceitos estão sendo quebradas aos poucos.
Natália D’Ambros
Pergunta 1
Cássio: Como se deu o seu processo de afirmação enquanto mulher bissexual?
Natália: Foi um processo demorado, durante boa parte da minha adolescência e juventude a minha sexualidade não era um elemento da minha identidade. Ser uma mulher bissexual durante a minha adolescência significava estar em um lugar de sexualização e esquecimento. Só durante o meu ingresso na universidade que comecei a perceber o quão a minha sexualidade fazia parte da minha construção enquanto sujeito, e assim consegui me entender melhor.
Pergunta 2
Cássio: De que maneira a sua família influenciou no seu processo de autoafirmação?
Natália: O meu processo de autoafirmação enquanto mulher bissexual para a minha família se deu em dois momentos, devido ao meu pai e a minha mãe viverem separados. Como era muito nova, afirmei para meu pai que sentia atração por meninas, automaticamente ele constatou que eu era uma mulher lésbica, não considerando a bissexualidade como uma possibilidade. Por meu pai ser extremamente conservador, sofri preconceitos e me senti coagida a ter relações com homens, assim foi um momento muito conturbado da minha vida. Essa reação do meu pai me deixou com medo de me declarar bissexual para a minha mãe, e por isso demorei bastante tempo. Por causa da falta ou nenhuma informação sobre bissexualidade, a reação da minha mãe foi de confusão, ela não sabia o que era se identificar como não-binária, porém para a minha surpresa, encontrei nela um lugar de aceitação e acolhimento.
Pergunta 3
Cássio: E pensando o seu processo de autoafirmação, quais foram os principais estereótipos postos à você? Como você lidou com eles?
Natália: A hipersexualização é um dos estereótipos que eu mais sinto, tanto das mulheres lésbicas quanto dos homens heterossexuais. O meu corpo é atrelado ao sexo, e nunca ao afeto. Outro estereótipo que me prejudicou muito é o não reconhecimento da minha sexualidade, pois é exigido uma validação constante sobre ser bissexual, por consequência a dúvida é um sentimento constante na minha vida. Quando eu dizia que estava me envolvendo mais com o sexo masculino, por exemplo, aconteceram inúmeras situações ao qual a minha sexualidade era posta à prova. Sempre quando eu me envolvo com uma menina publicamente, por exemplo, sou considerada uma mulher lésbica, assim o não-binarismo nunca é visto como uma possibilidade. Devido à falta de discussão sobre a bifobia, muitos dos estereótipos que foram associados ao meu corpo não eram vistos como um preconceito social, mas como um defeito meu. Assim, a insegurança é um sentimento atrelado a mim até hoje, porém, a partir do momento em que consegui me afirmar como mulher bissexual, estou conseguindo perceber que isso é um produto social.
Pergunta 4
Cássio: As pessoas binárias reforçam esses estereótipos? Quais situações mais t marcaram?
Natália: Sim, com certeza. Em várias estancias as pessoas binárias, mulheres heterossexuais e lésbicas e homens heterossexuais e gays, não inserem a bissexualidade como uma sexualidade existente. Em algumas festas em que eu estava beijando meninas, alguns homens heterossexuais ficavam me olhando de forma sexual, me parece que meu beijo era uma performance para agrada-lo. Em outra situação ao qual tive relações sexuais com uma mulher lésbica, me senti sexualizada e desvalorizada, pois pelo fato de não cumprir suas exigências, publicamente minha sexualidade foi posta à prova, assim como meu desejo por mulheres, me deixando totalmente constrangida e insegura.
Pergunta 5
Cássio: Por você ser uma mulher bissexual, você acha que as suas relações te deram espaço para a afetividade?
Natália: Não. Eu percebo uma distinção nas minhas relações afetivas entre homens heterossexuais e mulheres lésbicas. Com os homens o lugar de afeto existe, porém me parece insuficiente, visto que a proposta de ménage é algo recorrente. Já com as mulheres lésbicas, o lugar de afeto nunca existiu, seja pela ideia de que a minha sexualidade é algo promíscuo e, por isso teria maior chance de trair ou por transparecer um sentimento de repulsa ao saber que mantenho relações com homens.
Pergunta 6
Cássio: E como você lidou/lida com essas relações?
Natália: Mesmo pesquisando sobre bifobia, o lugar de não afetividade que é reservado à mim, me afeta. Assim, é algo que me foge o controle. Além da sexualização que é posto às mulher, nas minhas pseudo-relações afetivas fui exposta em situações desconfortáveis e agressivas por ser bissexual. Visto isso, além da sexualização do corpo feminino, quando o ménage é colocado como uma exigência, o sentimento de desvalorização e subalternização é uma realidade.
Pergunta 7
Cássio: Pensando no seu ingresso na universidade, você sente que o espaço acadêmico te proporcionou, ou melhor, proporciona, visibilidade para discutir sobre bifobia? Como isso te afetou?
Natália: Nos primeiros dois anos da graduação, eu não tinha acesso à discussões sobre bifobia, por mais que a universidade promovia eventos relacionados à comunidade LGBTQIA+. Comecei a ter acesso as discussões relacionadas a comunidade bissexual quando comecei a pesquisar sobre isso por conta própria. Foi nesse momento que constatei o quão a falta de discussão e representação da comunidade bissexual me afetou, no sentido de me aceitar enquanto mulher bissexual e entender que a bifobia está relacionada em como as pessoas me enxergam, e não como realmente sou.
Pergunta 8
Cássio: De acordo com as suas vivências e memórias, como a comunidade LGBTQIA+ lida com a bissexualidade? Você se sente inserida nesse espaço social?
Natália: Pela maioria da comunidade, a bissexualidade é vista como uma passagem para a heterossexualidade, ou a homossexualidade. Por consequência, não é considerada uma sexualidade consolidada e constante, sempre é colocada em uma posição de não lugar. Devido a isso, a comunidade bissexual está enfraquecida e não representada, tanto dentro do âmbito acadêmico, quanto nas discussões proporcionadas pela coletividade LGBTQIA+. Eu sinto que a não inserção das pessoas bissexuais na comunidade acarreta um sentimento de solidão, em dois viés. O primeiro é a falta de representações sociais das mulheres bissexuais, por exemplo, nas mídias a sexualidade das mulheres bi são apagadas, ou seja, são atreladas ao binarismo e assim não consolida a sexualidade à sua identidade. O segundo ponto está relacionado ao enfraquecimento da comunidade bissexual, assim na minha vivência não encontrei pessoas que compartilham as mesmas experiências que eu, para que eu possa me sentir acolhida.
Pergunta 9
Cássio: Visto que você inseriu uma discussão que não estava presente na universidade, quais as suas expectativas para a mudança desse cenário tão negativo que você me descreveu?
Natália: Em comparação a outras universidades, a UFJ se encontra atrasada em relação à discussão e à representação de pessoas bissexuais. Porém, tenho uma visão otimista devido a um evento que participei organizado pela Universidade Federal de Jataí que reservou espaço para a discussão sobre vivências bissexuais, acredito que lentamente esse cenário negativo irá se modificar.
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