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Vinicius Das N. Santos

FEITIÇO, MACUMBA OU COISA ASSIM


 

LEPH - Revista Me Conta Essa História Mai. 2020 Ano I Nº 005 ISSN - 2675-3340 UFJ.

 

Por Vinicius Das N. Santos


[1] Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

 

RESUMO

O presente artigo tem como finalidade analisar toda a conjuntura social e histórica que possibilita a manutenção da mentalidade preconceituosa, com foco especial na discriminação religiosa. Entende-se, por esse motivo, que a marginalização de credos não cristãos, está associado diretamente ao projeto colonial desenvolvido pelos europeus a partir do século XV, e que lidamos com seus desdobramentos até a atualidade. Diante desses fatos, essa tese será defendida a partir de três pontos principais. Em um primeiro momento, deve-se levantar o olhar distante do continente europeu com África, ratificado em diversos documentos a visão selvagem, atrasada e primitiva dos navegadores brancos. Após esse momento inicial, será de suma importância, para o objetivo desta obra, compreender como esse projeto da racialização do povo africano, possibilitou desdobramentos em todas os setores sociais, até mesmo na religiosidade presente neste continente. Por conseguinte, ocorrerá apresentação da materialização desta visão preconceituosa, que reflete-se nos constantes casos de intolerância religiosa com praticantes, principalmente, da umbanda e do candomblé.


Epistemicídio [1] negro

El África propriamente dicha es la parte característica de este continente. Comenzamos por la consideración de este continente, porque enseguida podemos dejarlo a um lado, por decirlo asf. No tiene interés histórico próprio, sino el de que los hombres viven allí em la barbárie y el salvajismo, sin suministrar ningún ingrediente a la civilización. (HEGEL, 1985. P 184)

A afirmação trazida por Hegel em seu livro “Lecciones sobre la filosofia de la historia universal”, serve como espelho do pensamento que circundava o imaginário europeu do século XV, XVI e XVII. Percebe-se, dessa forma, que o processo de colonização do povo africano, nada mais é do que a colocação na prática da visão europeia que julgava-se superior a todos os demais povos. Por conseguinte, os mesmos carregavam consigo a obrigação de levar a civilização para aqueles que viviam no mundo primitivo.


A colonização adjunto do comércio transatlântico de negros escravizados, é produto final de um projeto muito mais profundo do que se pensa e muitas vezes acabam sendo trabalhados de forma rasa. Faz-se, necessário compreender a dinâmica interna que possibilitou esta ação desumana com milhões de pessoas de cor. A historiografia ocidental tende sempre a trabalhar dentro da sua própria perspectiva ocidental, a qual em sua grande maioria compreende os anos quinhentos e seiscentos dentro de um viés econômico, motivados pelas Grandes navegações, trocas comerciais e constantes explorações de novos territórios. Assumindo, assim, um papel que negligencia um ponto substancial para a efetivação desse ideal europeu.

Desse modo, é cabível afirmar que a fala de Hegel introduzida acima, a qual faz um parecer completamente negativo da África, afirmando que esta não possuí nenhum interesse histórico e que é um continente dominado pela barbárie do seu povo, faz menção aos teóricos europeus que foram responsáveis por esse epistemicídio do negro. Conceito, este, que traz em voga o debate sobre, não só a exploração do continente, mas como também a negação de tudo e qualquer tipo de produção cultural levantada por esse povo, culminando no genocídio em massa de uma população. Isso faz parte do processo de racialização, uma vez que para legitimar as atrocidades cometidas pelos europeus, era necessário buscar fundamentos sociológicos que dessem força para esses atos.


Nessa perspectiva, percebe-se o papel fundamental na elaboração das teorias raciais, estas estavam voltadas diretamente para a retirada da alma do corpo negro. Assim, sem gozar de humanidade fora posta nesta condição de coisa/objeto. Seguindo essa linha de raciocínio, é fundamental explicitar alguns dos principais pensadores iluministas - os quais lutavam pela liberdade individual do homem europeu -, e o que pensavam sobre a posição de submissão negro africano.


René Descartes (1596 – 1650), considerado como pai do racionalismo moderno, foi um dos precursores desse movimento histórico responsável pelo renascimento político, econômico, social e cultural. Dessa forma, este clássico teórico iluminista, teve seu nome memorizado muito por conta da famosa expressão “Penso, logo existo”, publicada em seu livro Discurso do método. Por conseguinte, esta afirmação deixa de forma bem explícita, a metodologia desenvolvida por esse novo movimento. A racionalidade humana, além de ser um aspecto altamente valorizado, ela torna-se elemento primordial para a classificação do que é ser reconhecido como um corpo humano na sociedade europeia. Refutaremos essa expressão no texto mais a frente.


Voltaire (1694 – 1778), é mais um nome significativamente importante no combate a monarquia francesa e seu trabalho teve forte influência no processo de independência dos Estados Unidos. Assim como Descartes, mostrava-se intensamente contrário a cegueira provocada pela dominação intelectual do cristianismo e lutava principalmente pela liberdade individual. Voltaire foi um dos grandes defensores da liberdade de expressão do homem branco europeu e de sua associação a outras vertentes religiosas. Desse modo, percebe-se, entretanto, que toda essa ideologia a respeito da defesa dos direitos humanos, possuía por trás um direcionamento especifico ao cidadão europeu. Haja vista que o mesmo, afirmava a ocorrência de distinções biológicas entre as populações espalhadas pelo globo.


Jhon Locke (1632 – 1704), filósofo inglês e defensor ardente do contratualismo, foi mais um pensador que contribuiu intensamente para o Iluminismo. Sendo considerado por muitos como pai do pensamento liberal e que teve seu trabalho destinado a combater a intolerância. Compreendia que o progresso da sociedade só viria, se este estivesse acompanhada da assegurada liberdade individual. Um dos maiores representantes do pensamento empírico, acreditando, portanto, que a base do conhecimento era por meio das experiências vividas e dos aprendizados retirados das mesmas. Por conseguinte, compreendia a mente humana como uma folha em branco, a qual viria a ser preenchida após a percepção visual dos elementos e que daria origem as respostas sensoriais.


Nessa perspectiva, percebe-se que todos esses três teóricos iluministas compartilhavam de muitos pensamentos em comum. Descartes, Voltaire e Locke, são contemporâneos, nascidos na Europa, influentes em um dos maiores processos revolucionários até então vistos, defensores da liberdade humana e extremamente racistas. Há aqueles que em sua defesa, afirmam que não eram racistas, mas sim cabeças pensantes do seu tempo. Tempo, este, racista e portanto não apenas coniventes com os acontecimentos do outro lado do planeta, mas como contribuintes dos mesmos.


Seguindo essa linha de raciocínio, deve-se elaborar alguns pontos principais para que seja possível a legitimação dessa contundente afirmativa. Os três pensadores acima citados, como todos os demais teóricos iluministas, carregavam consigo preceitos, que os mesmos julgavam como universais. A Revolução francesa tinha como base o ideal de igualdade, liberdade e fraternidade. Desse modo, fica a indagação a respeito da igualdade e liberdade para toda a população negra, que estava passando pelo maior processo de desumanização já visto na face da terra. A igualdade, então reivindicada pela burguesia, limitava-se ao continente europeu. Restringia-se ao homem branco, uma vez que os mesmos, em nenhum momento, tiveram esse olhar de igualdade com o corpo negro, vítima da barbárie humana e colocado em posição de subalternidade. Por conseguinte, tiveram a sua liberdade surrupiada em pró de justificativas econômicas e interesses políticos. Da mesma forma que os seus laços fraternos foram simplesmente banalizados e desmembrados com o comércio transatlântico, restando para esse negro escravizado, o estado de psicose mental mediante todos esses atordoantes acontecimentos.

Voltaire mostra-se ser uma figura completamente contraditória. Defensor ardente dos direitos humanos e ao mesmo tempo amante da teoria poligenista. Esta, tinha como base metodológica, o entendimento da diferenciação da espécie humana, ou seja, compreendia que existia níveis diferentes da evolução do homem de acordo com o seu local de nascimento. Assim, indubitavelmente, Voltaire acreditava que pessoas negras não possuíam a mesma humanidade que os brancos, como afirma Willian Cohen. Esse pensamento faz bastante lógica, se entendermos que Voltaire era mais uma figura que lucrava com o comércio de escravos, como pode ser visto por meio dessa carta enviada ao traficante Michould:

"Congratulo-me convosco pelo feliz êxito do navio – o Congo – chegado oportunamente à Costa d’África para livrar da morte tantos negros infelizes. Sei que vão embarcados em vossos navios e são tratados com muita doçura e humanidade, e por isto me felicito de ter feito um bom negócio praticando, ao mesmo tempo, uma bela ação." (MOURA, C. 2005. P.398).

John Locke, que tinha em seu discurso os preceitos do liberalismo, é mais um exemplo de contradição retórica. Se para a sociedade inglesa, o mesmo defendia a tese da necessidade do respeito as liberdades individuais, para os nascidos fora desse espaço geográfico, seu pensamento modificava-se completamente. Segundo seus críticos apontam, Locke foi "o último grande filósofo que procura justificar a escravidão absoluta e perpétua" [2]. Podemos ver, dessa forma, a aplicabilidade dessa afirmativa na Constituição da Província da Carolina realizada por Locke, a qual ele afirma categoricamente "(...) todo homem livre da Carolina deve ter absoluto poder e autoridade sobre os escravos negros seja qual for a opinião e religião”.


Seguindo essa linha de raciocínio, introduzo novamente a expressão enunciada por Descartes e que fundamenta toda esse novo sistema epistemológico que agora rege as sociedades europeias. Ao afirmar “Penso, logo existo”, Descartes está além do que simplesmente anunciando o elemento principal do comportamento humano, que para ele seria a razão. Essa afirmação carrega consigo o pré-conceito humanitário que seria a extrema racionalidade e que deveria se afastar ao máximo de qualquer traço subjetivo. Desse modo, afirmando que o corpo humano foi feito para agir totalmente de forma racional, assim, o lado sensível e emotivo seriam sinais de fraqueza, portanto, descartáveis.


O que ocorre, é que essa distinção entre razão e emoção, foi, paulatinamente, ganhando corpo e sendo materializada em duas personalidades: o “Eu” e o “Outro”. Este “Eu” seria justamente a retratação daquilo que era valorizado no ser humano, ou seja, esse “Eu”, nada mais é, do que o homem branco europeu, extremamente racional, civilizado e evoluído. Em detrimento do “Outro”, o qual seria toda a negação desse padrão ideal a ser seguido. Portanto, compreende-se, que o “Outro” seria o ser primitivo, emotivo, selvagem e, consequentemente, atrasado. Aprofundando ainda mais, percebe-se a materialização desses dois pressupostos em escala geográfica, uma vez que um dos princípios metabólicos da escravidão, foi a justificativa de levar a civilização até os povos atrasados. Conclui-se, assim, que o “Eu” seria todo o continente racional europeu e o “Outro” os povos selvagens africanos.

Feitiço, macumba ou coisa assim

Imagem hobbesiana de uma África pré-europeia, onde não existia noção de Tempo; nem de Artes; nem de Escrita; uma África sem Sociedade; e, pior ainda, marcada pela perpetuação do medo e pelo perigo de uma morte violenta” e ainda a “imagem rosseana de uma era africana dourada, plena de liberdade, igualdade e fraternidade. (HODGKIN, 1957, p.174-175 apud MUDIMBE,1988, p.15).

De acordo com o pensamento introduzido por Mudimbe em sua obra “A invenção de África”, percebe-se que a visão geral sobre o continente africano era de total primitivismo. Nessa perspectiva, a construção do “Outro” entrelaça, indubitavelmente, por esses principais pontos levantados. Haja vista que o colonizador branco, não permitia aceitar outros tipos de relações sociais distintas das quais o mesmo está habituado, ratificando, dessa forma, o nível de negligencia com todo esse povo.


Diferentemente do que é retratado, a África – berço da civilização mundial -, possuía um nível de organização bastante desenvolvido, com uma matemática completamente qualificada servindo de base para futuras sociedades e a sua riqueza cultural não é de tamanha mensura. Priorizava-se, a construção da narrativa por meio da oralidade em detrimento da escrita, entretanto isso não a caracteriza, de forma alguma, como não existente ou deslegitimada. Percebe-se, dessa forma, que todos esses pré-conceitos foram sendo disseminados de forma totalmente infundada e planejada, para que fosse possível o fortalecimento dessa epistemologia eurocêntrica. Possibilitando apenas um único ideal de modelo e padrão social.


Seguindo essa linha de raciocínio, conforme o pensamento dos europeus, a África não tinha escrita, não tinha organização, não tinha noção de tempo, não tinha cultura, logo também não tinha religião. Faz-se, substancial compreender todo esse processo de demonização do continente africano e de tudo que ele era composto, para que seja possível o melhor entendimento das raízes preconceituosas da atual sociedade. O projeto colonialista tinha como premissa a supremacia de um povo, em contrapartida da submissão de outro. Assim, essa estrutura montada a partir do século XV, fortalecida pelas outras gerações que buscaram formas de legitimar as ações ao longo do século XVI, XVII, XVIII, mantém no século XXI as suas heranças históricas. O racismo reinventa-se e ganha novas faces, em virtude das transformações sociais feitas em cima das mesmas bases conservadoras, elitistas e discriminatórias.


Nessa perspectiva, percebe-se que uma dessas bases que sustentam nossa antiga estrutura é a religião, mais precisamente na atuação do cristianismo ao longo de todo o processo de desenvolvimento social. A Igreja Católica sempre teve atuação direta na forma de organização e na disseminação dos valores idealizados por eles como o correto, representando mais uma vez, assim, a figura do “Eu”. Porém, nos últimos anos, vem ocorrendo um vertiginoso aumento dos praticantes da religião Evangélica, oriundas do neopentecostalismo, como podemos ver no gráfico abaixo promovido pelo IBGE.

Por meio dos dados apresentados, percebe-se que o Brasil continua ainda sendo um país majoritariamente católico, entretanto, em menos de 80 anos, os evangélicos já alcançaram a marca de 22,2%. Diversos motivos podem explicar essa queda observada pela Igreja Católica, em comparação com o crescimento dos grupos evangélicos, mas destacaria, principalmente, dois pontos centrais. Primeiro está atrelado ao desenvolvimento da indústria gospel que vem movimentando quantias exorbitantes e estimulando, assim, o fluxo de capital, a fim de angariar novos fiéis.

Ivanir dos Santos destaca que:

Nesta esteira de transformação e assimilação cultural, bailes funk, rodas de samba e pagodes de Jesus começam a pipocar e a atrair multidões no Sudeste; festas de forró animam arrasta-pés de Cristo no Nordeste; e canções sertanejas em ode ao Senhor, tocadas no Centro-Oeste, se tornam cada vez mais comuns, principalmente em zonas pobres das cidades. Sucesso que dá lucro: o mercado gospel movimenta cerca de R$ 12 bilhões por ano, sendo 10% apenas com a indústria musical. (MELO, 2012. Apud SANTOS, 2018).

Posterior a isso, outro fator que justifica o fortalecimento e disseminação do neopentecostalismo está relacionado com a participação desses grupos religiosos nos bastidores políticos. Conseguindo, dessa forma, diversos benefícios e maior decoro social.

Em 2005, Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, criou um partido político, o PRB, pelo qual reelegeu em 2010 o senador Marcelo Crivella, bispo licenciado da Universal e seu sobrinho, desde março deste ano titular do Ministério da Pesca. (MARIANO, 2012, p. 31 apud SANTOS, 2018).

De acordo com os dados levantados por Ivanir dos Santos, o envolvimento político com os representantes religiosos é mais profundo do que se possa imaginar

Segundo o autor, cerca de mais da metade dos deputados pentecostais é composta de pastores gospel, parentes de líderes de igrejas, tele-evangelistas e donos de emissoras de rádio e TV. E para serem eleitos, esses candidatos dependem fortemente do apoio eleitoral de pastores e líderes denominacionais. Para Mariano (2012), essas dependências acentuam e reforçam o caráter corporativista e moralista de seus mandatos e seu compromisso de atuarem a favor das igrejas cristãs.(SANTOS, 2018).

Seguindo essa linha de raciocínio e após a análise dos dados que foram levantados, percebe-se que por trás do crescimento dos grupos evangélicos, existem fortes interesses políticos e econômicos atrelados a fé religiosa. Em contra partida desse novo momento vivenciado, nota-se que na mesma época que ocorreu essa maior disseminação dos ideais evangélicos por todos os setores da sociedade, uma religião específica sofreu com o outro lado dessa história. As religiões de matriz africana - que desde a escravidão até os dias atuais, sofre com a marginalização de seu credo por justamente ser uma representação da cultura africana considerada como selvagem – começaram a lidar com o aumento exponencial de perseguições e atentados.

Segundo pesquisa feita pelo jornal O Globo, realizada por Pedro Capetti e Marco Aurélio Canônico, as denúncias de casos de intolerância religiosa aumentaram vertiginosamente nos últimos anos. As taxas mostram que os maiores índices de incidência, são com as religiões afrodescendentes com depredação de terreiros, agressões verbais e até mesmo físicas. A reportagem “Denúncias de ataques a religiões de matriz africana sobem 47% no país”, trouxe números que dão fundamento na luta contra esses constantes atos de desrespeito e preconceito cometido por essas pessoas ignorantes.

Nos últimos anos, os ataques contra os seguidores dessas religiões aumentaram. Segundo dados do Disque 100, canal do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que concentra denúncias de discriminação e violação de direitos, foram feitas 213 notificações de intolerância religiosa a matrizes africanas, de janeiro a novembro de 2018. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
O número é 47% maior do que o registrado em todo o ano de 2017, quando foram recebidas 145 denúncias. Se em 2014 elas correspondiam a 15% do total de denúncias, hoje representam 59% do número total de reclamações. (CAPETTI e CANÔNICO, 2019.).

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que esses atos cruelmente planejados refletem simplesmente qual é a mentalidade da população brasileira. Local onde os cultos afrodiaspóricos nunca foram reconhecidos como religiões, muito pelo contrário. A demonização feita em cima dos praticantes do candomblé, por exemplo, é tamanha a ponto que eles constantemente sofrem com acusações afirmando a sua ligação com o “Diabo”. Além disso, são taxados de forma generalizada e que reflete o desconhecimento popular sobre essa temática, como macumbeiros, praticantes de feitiçaria, magia negra, rituais satânicos e coisas assim.


Sou macumbeiro, sim!


“Sou macumbeiro, sim!”, foi com essa afirmação que Feijão, ex-jogador do Bahia, respondeu aos inúmeros casos de ofensas e discriminações religiosas que sofreu na sua conta pessoal em uma rede social em 2017. Declarado abertamente seguidor do Candomblé, filho de Ogum, o jogador Feijão foi mais uma vítima de crimes virtuais, os quais em sua grande maioria ficam impunes. Após a publicação de uma foto com uma legenda fazendo reverencia final a Ogum, o mesmo teve que instantaneamente com reações intolerantes dos seus seguidores. O jornal UOL realizou uma reportagem a respeito do caso, que logo após tornou-se de interesse das demais grandes mídias. Nessa perspectiva, Roberto Oliveira, jornalista responsável por fazer o artigo, tornou a público as ofensas sofridas pelo jogador e as concisas respostas dadas pelo mesmo. Segue abaixo a discussão entre o agressor e Feijão.


- “Que diabo de Ogum, por isso não vai pra frente”, disse o internauta.

- “Cada um com a sua religião, não venha falar sua m... aqui na minha página não” resposta dada pelo atleta.

- “Ô seu macumbeiro, não venha pra cá tirar sua onda não que eu não como regue de você sua carniça. Saia do Bahia miséria” retrucou o internauta.

- “Sou macumbeiro, não tenho vergonha não. Quem é você pra me mandar embora do Bahia?”, concluindo assim o desentendimento.


O UOL Esporte foi atrás do jogador, a fim de conseguir alguma declaração sobre o lamentável episódio ocorrido. Vale destacar que muitos torcedores saíram em defesa da vítima e mostraram-se intensamente contrários a postura intolerante do criminoso [3].


“O cara confundiu as coisas, confundem muito religião com futebol. Nada contra nenhuma religião. Respeito todas as religiões. Espero que respeitem a minha. Sou do Candomblé e tenho muito orgulho. Tem várias outras pessoas também do Candomblé. Agora, espero que tenha coragem de chegar e falar na minha frente. Falar em rede social é fácil” .

“Querem fazer tumulto, principalmente comigo, que sou prata da casa, um dos líderes do grupo. Eu reagi normalmente. Vida que segue. É tranquilidade”.

CONCLUSÃO


O presente artigo teve como objetivo primordial, fazer uma análise mais aprofundada, construindo gradualmente um entendimento sobre os motivos que levam a esse produto final. Situação vivenciada pelo atleta Feijão, lamentavelmente, não é um acontecimento esporádico, mas sim comum na rotina de não adeptos ao cristianismo. Por esse motivo, fez-se extremamente necessário a construção da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa (CCIR), fundada em 2008 e com o objetivo claramente definido: Lutar pela liberdade de expressão, individual, de credo de qualquer tipo de manifestação religiosa, como assegurado pela Constituição. Não é uma organização voltada para um único movimento religioso específico, mas sim pela pluralidade de todos e a segurança dos mesmos. O Estado que deveria ser o maior responsável e interessado por esse objetivo, demonstra financeiramente o que pensa sobre o caso. Contrariando, assim, a célebre afirmativa “O Estado é laico”. Será mesmo?

Gráfico retirado da Tese de Doutorado “Marchar não é Caminhar: Interfaces políticas e sociais das religiões de matrizes africanas no Rio de Janeiro contra os processos de Intolerância Religiosa (1950 – 2008). SANTOS, Carlos Alberto Ivanir dos.

 

COMO CITAR ESSE ARTIGO


SANTOS, Vinicius Das N. Feitiço, Macumba Ou Coisa Assim. In:. Revista Me Conta Essa História, a.I, n.05, mai. 2020. ISSN 2675-3340. Disponível em <https://www.mecontaessahistoria.com.br/post/feiti%C3%A7o-macumba-ou-coisa-assim> Acesso em:

 

REFERÊNCIAS


HEGEL, G. Lecciones Sobre La Filosofia de La Historia Universal. Porto Alegre: Alianza, 1985.


MOURA, C. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo. EDUSP. 2005.


DAVID B. Davis. The Problem of Slavery in the Age of Revolution, 1770-1823 (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1975).


LOSURDO, D. Contra-História do Liberalismo. São Paulo. Ideias & Letras, 2006 .


MUDIMBE, V, Y. A invenção de África. Gnose, filosofia e a Ordem do Conhecimento. Portugal: Pedago, 2013.

AZEVEDO, R. O IBGE e a religião — Cristãos são 86,8% do Brasil; católicos caem para 64,6%; evangélicos já são 22,2%. 2017. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/> Acesso em 19 jul 2019.


SANTOS, Carlos Alberto Ivanir dos. Marchar não é Caminhar: Interfaces políticas e sociais das religiões de matrizes africanas no Rio de Janeiro contra os processos de Intolerância Religiosa (1950-2008). Tese de Doutorado – Programa de Pós-graduação em História Comparada, Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2018. (Cap. 3).


CAPETI, P. e CANÔNICO, M, A. Denúncias de ataques a religiões de matriz africana sobem 47% no país. 2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/denuncias-de-ataques-religioes-de-matriz-africana-sobem-47-no-pais-23400711> Acesso em 19 jul 2019.

OLIVEIRA, R. Atleta do Bahia sofre preconceito de fé e rebate: “Orgulho do Candomblé”. 2017. Disponível em <https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2017/07/06/atleta-do-bahia-e-alvo-de-intolerancia-religiosa-e-rebate-sou-macumbeiro.htm> Acesso em 19 jul 2019.

 

[1] Termo normalmente utilizado por Boaventura de Souza Santos.

[2] David B. Davis, The Problem of Slavery in the Age of Revolution, 1770-1823 (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1975), apud Domenico Losurdo, Contra Historia do Liberalismo (Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006 [editado em italiano em 2005]), p. 15.

[3] Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

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