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O ENSINO DE HISTÓRIA E AS TEMPORALIDADES HISTÓRICAS: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS DISTÓPIAS JUVENIS


 

Distopia, Temporalidade, Teoria da História, Literatura.

 

LEPH - Revista Me Conta Essa História Jan. 2020 Ano I Nº 001 ISSN - 2675-3340 UFJ.

 

Por Nátalia Alves Almeida e Ana Lorym Soares


[1] Graduanda em História pela Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí (UFG/REJ), Jataí, Estado de Goiás. natyalves928@gmail.com.

[2] Professora do Curso de História da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí (UFG/Jataí). analorym@gmail.com.

 

RESUMO


Neste texto, analisamos como a narrativa distópica, veiculada pela literatura juvenil , pode ser utilizada como instrumento para pensar noções de temporalidades fundamentais para a teoria e o ensino de história, buscamos analisar como as diferentes temporalidades históricas podem ser utilizadas para a criação da consciência histórica e também na construção da identidade do sujeito. É pertinente também apontar o potencial que as distopias dispõem de serem uma alerta para a nossa sociedade, de que se não melhorarmos nossas atitudes no presente, nosso futuro poderá se assemelhar à essas criações cientificas que tanto circulam na nossa atualidade.

 

Introdução: a narrativa distópica entre a história e a literatura

Ao longo do século XX começou a surgir uma grande quantidade de distopias literárias, muitas delas foram adaptadas para o cinema, como Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451 e Laranja Mecânica, entre as tidas como clássicas, e Jogos Vorazes, Divergente e Maze Runner, entre as consideradas juvenis.


O desenvolvimento desse tipo de literatura guarda íntimas relações com grandes eventos e transformações que marcaram o século XX, como as duas guerras mundiais, o desenvolvimento de regimes totalitários e a queda do Muro de Berlim.

Estes acontecimentos foram capazes de mudar percepções que antes se possuía sobre a ideia de progresso da humanidade. O futuro, que desde o século XVIII era visto como a dimensão temporal da história associada ao otimismo, passou a ser temido e relacionado cada vez mais com o pessimismo. A literatura distópica, assim como os filmes por ela inspirados, captou a crítica à temporalidade moderna calcada na noção de progresso e formulou sátiras do futuro próximo baseadas em projeções pessimistas.

Como grande parte dos consumidores atuais desse tipo de narrativa é composta por jovens, muitos ainda em idade escolar, buscamos, neste texto, fazer uma reflexão acerca das noções de temporalidade expressas no romance distópico juvenil Divergente, da autora americana Verônica Roth, tendo em vista o uso didático dessas noções. Além disso, é nossa intenção, refletir sobre o caráter documental que a literatura adquire para a história, que se forem analisadas corretamente, se mostrarão como uma fonte poderosa para a construção da história.


Distopia juvenil e temporalidades históricas

As distopias literárias contêm em suas narrativas um futuro imaginado como ruim e defeituoso. O mundo distópico comumente é controlado por regimes totalitários ou grandes corporações que exercem controle sobre a sociedade. Esses mundos são formados quando algo de muito errado aconteceu no passado, gerando as mazelas descritas no enredo, e para que essa sociedade possa conseguir novamente a paz que fora perdida, medidas de controle são tomadas. É assim que se justificam, nas distopias, os diversos arbítrios e eliminação dos direitos básicos do indivíduo em nome, supostamente, do bem coletivo.


Existe uma explicação para que as distopias tenham aparecido em massa desde a primeira metade do século XX. Com as catástrofes que aconteceram nesse período, houve uma mudança na percepção que se tinha sobre o futuro. O mal-estar gerado pelas guerras mundiais; as contestações públicas de 1968; o avanço da sociedade de consumo; o esmaecimento das identidades nacionais; o fortalecimento da globalização enquanto processo de “compressão do espaço-tempo”; e “a queda do muro de Berlim, em 1989” (HARTOG, 2015, p. 148) consolidaram a crítica do projeto moderno de sociedade.

O moderno regime de historicidade, pautado em uma visão positiva do futuro e associado à ideia de progresso, mudou, a sociedade moderna passou a ser percebida como em vias de colapsar. Regime de historicidade, conforme François Hartog diz, é a forma “como uma sociedade trata seu passado” e serve para “designar a modalidade de consciência de si de uma comunidade humana” em relação à passagem do tempo (HARTOG, 2015, p. 28). Conforme isso mudou, a certeza da humanidade no futuro como melhoramento do presente foi abalada e passa-se a temer o que está por vir. O futuro, espaço do desconhecido, difere do passado e do presente, porque não encontramos nele estruturas sólidas para caminharmos.

Em decorrência disso, deixamos de depositar nele esperança de dias melhores. Nessa conjuntura, Hartog apresenta o conceito de presenteísmo, o apego pelo presente, pois não sabemos o que o futuro nos guarda.


As temporalidades históricas e o ensino de história

A escola é um espaço de construção de saber, e além disso um local de disputas de poderes e, basicamente há sempre uma disputa de qual narrativa do passado deve ser encarada como base para a construção do presente, constituindo-se instrumento de poder. Sendo a história, uma forma de estudo da relação do homem com o tempo, as noções temporalidades que emergem da análise da literatura distópica, se insinuem como essenciais para uma reflexão atual sobre as formas de apreensão da ação do sujeito histórico no tempo.

Essas discussões se colocam como incontornáveis para o espaço escolar suscitando questões importantes: até que ponto as projeções que temos do futuro podem interferir nas nossas ações no presente? Projeções pessimistas do futuro têm o poder de bloquear a imaginação de possibilidades outras? Como pensar um ensino de história ao mesmo tempo consciente das especificidades temporais e comprometido com a transformação?

Em seu livro Ensino de História e consciência histórica, Luis Fernando Cerri nos apresenta o conceito de consciência histórica, mostrando como a compreensão que temos do passado tem relação com esse conceito. Ele questiona o quanto do passado está no nosso presente e o quanto as mudanças que fazemos no passado podem interferir de diferentes formas no nosso futuro, e até quando nosso futuro já está pré-determinado pelo passado. Acontece que a todo tempo os seres humanos fazem escolhas condicionados pela história, ou seja, pela percepção que temos da história, da passagem do tempo. Se certa narrativa do passado tem mais destaque do que dos outras, quer dizer que a sociedade tende a encarar o futuro baseada nessa narrativa, e isso é um poder enorme, poder fazer com que as pessoas se baseiem em certas noções de temporalidade tidas como corretas e absolutas. Com isso, notamos que todos os discursos, inclusive os discursos sobre o passado, o presente e o futuro, estão envolvidos em interesses e estratégias políticas (CERRI, 2011).

É preciso que a teoria esteja presente no ensino, pois sendo a história também uma disputa de poder, é essa teoria que nos pergunta para quem? por que? com qual finalidade? para qual grupo ela está sendo feita? Quando a teoria começa a estar presente no ensino essas perguntas ajudam a questionar as noções de tempo que nos são apresentadas como absolutas, o que nos possibilita problematizá-las, redefini-las ou superá-las.


Considerações finais

Ao compreendermos a reflexão teórica sobre as diferentes temporalidades como um poderoso instrumento de formação de consciência histórica e recuso de identidade do sujeito histórico no tempo, defendemos que as discussões sobre essas questões devem ser feitas na escola. O ensino de história comprometido com a formação de sujeitos conscientes e críticos da sua realidade, com capacidade de transformá-la em algo melhor para a coletividade, não deve abrir mão de debater os aspectos conceituais que sustentam essa mesma sociedade.

Por percebermos que a narrativa distópica, veiculada em romances juvenis ou em produções cinematográficas, é um material privilegiado para pensar tanto as concepções modernas de pós-modernas de temporalidades, como a nossa atitude diante dessas realidades. Nesse sentido, esse texto buscou chamar atenção para as potencialidades que a distopia apresenta como ferramenta intelectual que se torna ainda mais potente se a encararmos mais como alerta do que como ameaça, sendo revelante notar que mesmo as distopias literárias juvenis podem conter avisos de que se não melhorarmos nossas atitudes no presente, nosso futuro pode se assemelhar às distopias, como a que foi aqui analisada. Não podemos mudar o passado, mas o futuro depende das atitudes que tomarmos aqui no presente.

É pertinente observar, além disso, que na saga Divergente, é possível notar como as noções de tempo são construídas na narrativa, e como os personagens têm relação com o tempo, e como a percepção sobre ele pode mudar a narrativa. Podemos observar o que leva as pessoas a possuírem esse medo em relação ao futuro, observar o quanto as experiências ruins do passado são capazes de orientar a humanidade, de forma que se for necessário, instituir um regime totalitário para garantir a paz, assim será feito.

 

Artigo de Mesma Temática

 

COMO CITAR ESSE ARTIGO


ALMEIDA, Nátalia Alves; SOARES; Ana Lorym. O Ensino De História E As Temporalidades Históricas: Uma Análise A Partir Das Distópias Juvenis. In:. Revista Me Conta Essa História, a.I, n.01, jan. 2020. ISSN 2675-3340. Disponível em: <https://www.mecontaessahistoria.com.br/post/o-ensino-de-hist%C3%B3ria-e-as-temporalidades-hist%C3%B3ricas-uma-an%C3%A1lise-a-partir-das-dist%C3%B3pias-juvenis> Acesso em:

 

REFERÊNCIAS

BERNARDINI, F. Aurora. Literatura e Estudos Culturais In: Revista de Literatura – 100 Anos da Revolução Russa. São Paulo. v., p. 101-115, 2017.


CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de Janeiro: FGV, 2011.

COSTA LIMA, Luiz. Documento e Ficção. In: Trilogia do Controle. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007, p 413-422.


HARTOG, François. Introdução – Ordens do tempo e regimes de historicidade. In: Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p 17-41.

KOSELLECK, R. O Futuro Desconhecido e a Arte do Prognóstico In:_______. Estratos do Tempo: estudos sobre a história. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2014, p. 189-205.


LAJOLO, Marisa. O que é literatura. São Paulo: Editora Brasilienses, 1984.


NOVAES, Adauto. Mundos Possíveis. In: O futuro não é mais o que era. São Paulo: SESC, 2013.

ROTH, Verônica. Divergente. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.

 

FONTE IMAGENS


Capa do livro Jogos Vorazes. Vol 1. Disponível em:https://www.presenca.pt/livro/os-jogos-da-fome


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