RESENHA
LEPH - Revista Me Conta Essa História Mai. 2020 Ano I Nº 005 ISSN - 2675-3340 UFJ.
Por Daviane Moreira e Silva
Professora do Curso de Letras Português da UFJ e coordenadora do clube de leitura escritAS.
“dentro de mim, um nós se desfaz, a alegria se espalha por todo o meu ser, pouco familiar e ao mesmo tempo indiscutível, e sei que isso também é um começo, as promessa de maravilhas por vir.”
de Ayòbámi Adébáyò
Em 2011, durante as comemorações de aniversário de uma editora brasileira, Alberto da Costa e Silva, um dos mais interessantes africanistas brasileiros, contou algumas histórias para ajudar o público a se familiarizar com o tema de sua fala, que discorreu sobre a África antiga e a moderna – durante o período em que foi embaixador em Lagos, capital da Nigéria, sua esposa ensinava francês a uma nigeriana de nome Mina, que após algum tempo de convívio expressou o desejo de conversar sobre algo que sempre quis perguntar a uma mulher ocidental: “Como vocês aguentam ser uma mulher só para um homem? Os homens são muito chatos, os homens dão muito trabalho”. A história é interessante pois nos mostra a percepção nigeriana de algo estranho aos ocidentais, a poligamia (embora sejam recorrentes no Brasil os casos poligamia não-reconhecida pelo Estado, com homens que mantêm mais de uma família ao mesmo tempo, com o conhecimento ou não das mulheres e filhos envolvidos).
A fala do antigo diplomata apontada no início desse texto é interessante para contextualizar a realidade da vivência contemporânea na África, mas também serve para percebemos as proximidades entre a nossas práticas sociais, sejam elas reconhecidas ou não: embora a poligamia “disfarçada” que existe no Brasil, todos conhecem histórias do sujeito que tinha uma família secreta, descoberta após a morte da figura masculina. Mais clara no nosso país é a presença dos deuses que controlam as forças da natureza e regem outros aspectos da vida dos homens, como a comunicação, a saúde, a maternidade. Quando os africanos Yorubás foram escravizados e trazidos à força para esta terra, os deuses Òrìşhàs atravessaram Kalunga grande com eles e passamos a chamá-los de Orixás.
Embora a poligamia seja vista como uma escolha antiquada e cara (é preciso considerar o pagamento do lobolo, o dote nigeriano), atualmente 1/3 das mulheres na Nigéria está em um relacionamento poligâmico. A escolha de Yejide, protagonista de história de Fique comigo, de Ayòbámi Adébáyò, é diferente.
Nascida em um lar poligâmico, Yejide é criada por suas quatro mães, as esposas do pai, que cuidam dela após a morte da mãe, como manda a tradição, embora fique bastante claro a parcialidade que essas mulheres têm por seus próprios filhos. Quando entra para a Universidade de Ifé uma das mães, responsável por entregar o dinheiro destinado a seu sustento, fica com parte da quantia e Yejide começa a trançar os cabelos das colegas para sobreviver; esta habilidade se desenvolve e ela conhece Akin, que fascinado pela jovem a acompanha nas manifestações até convencê-la a se casar com ele, com o compromisso de manterem um relacionamento monogâmico. A narrativa se desenvolve tendo ao fundo momentos políticos importantes da história da Nigéria, como o golpe militar que colocou Muhammadu Buhari no poder.
A história contada por Adébáyò se desenrola ao longo de vinte anos, e vemos a cumplicidade do casamento entre Yejide e Akin desmoronar quando as famílias de ambos começam a interferir na relação, que segue há quatro anos sem que a esposa consiga engravidar. Yejide se submete a todos os exames e tratamentos médicos e quando nada de errado é encontrado ela aceita todos os ritos, sacrifícios e jejuns estipulados pela família do marido para poder gerar um filho. Quando as tentativas continuam a não funcionar a própria família de Yejide aparece com a solução mais óbvia e cruel: levam para o casal a jovem Funmi e fazem de Yejide uma iyale, uma primeira esposa. A ideia é que a primeira esposa não basta para o marido, por isso a necessidade de uma segunda esposa para engravidar e, assim, seu filho chamaria uma criança para Yejide.
Tentando manter-se fiel à promessa feita durante o noivado, Akin mantém Funmi morando em um apartamento, afastada da primeira esposa e de sua casa, mas aos poucos acaba por ceder e cumprir com as obrigações com a nova mulher. Yejide consegue manter Funmi afastada por algum tempo, mas as disputas da jovem para ganhar a atenção do marido e desestabilizar Yejide finalmente fazem com que a segunda esposa passe a viver com o casal. Mas esse plano também não funciona e o modo encontrado para Yejide cumprir com as demandas familiares terá consequências complicadas e difíceis de serem resolvidas pelo casal.
A escrita de Adébáyò é competente e facilmente envolve o leitor, como deve ser com uma boa história. Orientada por Margaret Atwood, autora de O conto da aia, a escritora nigeriana consegue comover com a história de Yejide e também surpreende com as estratégias narrativas que escolhe para apresentar as vidas de seus personagens em meio à convulsão política e principalmente diante do peso das exigências sociais que lhes são apresentadas.
COMO CITAR ESSA RESENHA
SILVA, Daviane Moreira e. RESENHA: Sobre Fique Comigo, De Ayòbámi Adébáyò. In:. Revista Me Conta Essa História, a.I, n.05, mai. 2020. ISSN 2675-3340. Disponível em: <https://www.mecontaessahistoria.com.br/post/sobre-fique-comigo-de-ay%C3%B2b%C3%A1mi-ad%C3%A9b%C3%A1y%C3%B2> Acesso em:
REFERÊNCIAS
ADÉBÀYÒ, Ayòbámi. Fique comigo. Tradução de Mariana Vargas. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2018.
SILVA, Alberto da Costa e. “África: passado e presente”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=g
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