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A IMPORTÂNCIA DA PATRIMONIALIZAÇÃO DE DOENÇAS: AIDS EM FOCO


 

LEPH - Revista Me Conta Essa História Mar. 2021 Ano II Nº 015 ISSN - 2675-3340 UFJ.

 

Por Isabel Almeida Azerêdo & Rosiane Rodrigues Costa

 

INTRODUÇÃO


Pela forma que a população em seu senso comum ainda trata o assunto da AIDS/HIV, viu-se o quanto é importante e necessário o desenvolvimento de debates e mobilizações pois a temática ainda se caracteriza como polêmica e tem sido distorcida de sua realidade. Após quarenta anos desde o advento da doença, nota-se enraizado na fala das pessoas a associação que ainda fazem entre o vírus e a homossexualidade, diminuindo-os em sua individualidade a uma doença, não sendo eles nada além da aids. Todas as pesquisas realizadas sobre o tema mostram de forma intensiva como a associação citada acima se desenvolveu sobre o preconceito escancarado, temos como exemplo a seguinte citação:

Na América Latina, aproximadamente 43,5% dos casos de AIDS estão relacionados à transmissão homo-bissexual (Cáceres; Chequer, 2000). No Brasil, na década de 90, aproximadamente 24% dos casos de AIDS estão relacionados à transmissão homo e bissexual, contra aproximadamente 30% dos casos relacionados à transmissão heterossexual. Na década de 80, as estatísticas brasileiras registravam aproximadamente 47% dos casos relacionados à transmissão homo-bissexual, contra 10% entre os heterossexuais. Tais porcentagens demonstram que a transmissão homossexual é tão importante quanto a heterossexual, ao mesmo tempo em que apontam para uma tendência à diminuição do número de casos entre os homossexuais. (apud JR, 2002).

Este ensaio será dividido em vários pontos no decorrer do seu corpo. Primeiramente, abordaremos a história da epidemia do vírus HIV/Aids, em seguida, se desenvolverá a relação da doença com a homossexualidade masculina e, assim, realizaremos um diálogo sobre as lutas desse grupo diante do preconceito encobrido sobre o pretexto de perigo do vírus. Além disso, será enfatizado o processo de esquecimento desenvolvido pelo drama diante dessa epidemia e, ao mesmo tempo, iremos ressaltar a necessidade e o dever de preservar em nossa memória todos os fatos ocorridos para não esquecermos da importância social desse evento, e por fim, a conclusão das informações e ideias desenvolvidas ao longo deste ensaio.


DESENVOLVIMENTO


Assim como no início da pandemia do novo Corona vírus (2019), quando a aids surgiu nos anos 80 foi classificada como não sendo uma doença epidemiológica e exclusiva do que foi considerado o grupo de risco e minoritário, mas, como na atual pandemia, o vírus confirmou as previsões dos infectologistas. Atualmente, é de conhecimento geral que a aids se originou a partir do vírus chamado SIV, o qual é encontrado em macacos e chimpanzés africanos, que sofreu mutação dando origem ao HIV, causador da aids. Acredita-se que o contágio humano ocorreu a partir da domesticação e caça desses animais por volta dos anos 30 e permaneceu restrito a aldeias até os anos 60 e 70 quando começou a se espalhar pelo mundo. Entretanto, apesar de ter aparecido nos anos 30 apenas em 1981 foi identificado.


Embora seja uma afirmação absurda, quando o HIV surgiu nos anos 80 foi considerado como a “peste gay” e associado exclusivamente aos casais homossexuais masculino. Com o forte movimento de libertação gay nos anos 60e 70 a população conservadora e tradicional praticava um forte julgamento moral em relação ao comportamento desse grupo social, portanto, inicialmente, nessa população específica, quando o vírus surgiu foi taxado como “punição à promiscuidade e ao comportamento pecaminoso” (GALVÃO, 2009). Em 1982 a aids chegou a ser nomeada como a doença dos 5H, fazendo referência aos homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína) e hookers (profissional do sexo).


A forma de transmissão do vírus dá-se da seguinte maneira: através de relações sexuais sem o uso de preservativo, compartilhamento de seringa ou objetos cortantes e contaminados, transfusão de sangue contaminado, da mãe infectada para o filho durante a gestação, trabalho de parto e amamentação. Ao analisarmos essas formas de transmissão, fica evidente que classificar a doença como exclusiva aos homossexuais é altamente absurdo, uma vez que todos estamos sujeitos à exposição ao vírus.

Ao tratar do HIV, é necessário avaliar que as dificuldades de medir o progresso da doença também estão vinculadas às questões sociais e econômicas da população. Isso pode ser atestado pelo novo conceito de saúde abordado por (CLEMENTINO, 2017, p. 6):

a saúde não se resume a ausência de doença, mas sobretudo, está ligada as condições físicas, emocionais, econômicas, políticas e sociais na qual os indivíduos estão inseridos, abre-se espaço para novas demandas de intervenção e, por consequência, novas exigências de atuação no processo saúde/doença da população.

Nesse sentido, as questões que envolvem a transmissão e o tratamento do HIV vão desde moradia, acesso à informação, saúde pública de qualidade, assistência social à estrutura física dos hospitais, clínicas e outros.


A epidemia dessa doença que foi marcada por três fases (aguda, latência e crônica) deixou de ser apenas uma questão de saúde pública e se tornou uma questão social, pois a discriminação sofrida pelos portadores da doença fez/faz com que muitas pessoas deixassem/deixe de realizar o teste e até mesmo o tratamento. A discriminação se tornou “uma questão tão central para a Aids global quanto à doença em si” (GARCIA e KOYAMA, 2008). Muitas vezes a pessoa soropositivo não recebe apoio da família ao enfrentar a doença, perde o emprego, amigos e é excluída do convívio social. Em alguns casos o paciente pode optar por não informar o diagnóstico aos mais próximos, com objetivo de evitar a exclusão social e o preconceito, assim, passando a vivera cidadania de forma clandestina (GALVÃO, 2009).


Desse modo, muitos são os motivos para que todo o evento que envolve a Aids/HIV faça nos remeter a dor, a vergonha e ao desamparo público. Saber que a associação preconceituosa entre a doença e a homossexualidade levou a opinião pública a nomeá-la de “câncer gay”, “peste gay” e “pesterosa”, já nos dá um parâmetro de onde pode chegar o discurso de ódio sobre a comunidade gay. Além disso, pensar que só através da participação de lideranças e organizações gays que se obteve a primeira forma de enfrentamento da epidemia durante os anos 80 一 ajudando não só os de sua comunidade mas também o resto da população que enfrentava a doença 一 torna perceptível a posição do governo frente ao caos da epidemia e principalmente seu posicionamento em relação à população inicialmente mais afetada, ou

seja, os homossexuais masculinos. (JR, 2002).


Todos os motivos apresentados nos levam involuntariamente ao desejo do esquecimento, naturalmente o ser humano tende a se distanciar do sofrimento através do processo de esquecimento (processo também utilizado por detentores de poder quando em disputa entre patrimônios ou responsabilidade sobre eventos com consequências dramáticas). Apesar do esquecimento levar a um distanciamento da dor, o dever de preservar todo o evento que engloba a doença se torna maior que isso, pois acaba sendo também uma forma melhor de amparar esse sofrimento, com abertura de narrativas, estudos e informações essenciais sobre a doença para o público.


Entende-se que quanto maior a dor e a luta de um determinado evento maior se torna o dever de preservá-las; a aids apesar de ser uma doença recente e por ter se tornado uma epidemia com desfecho muitas vezes letal, já leva uma grande carga consigo de lutas, sofrimentos, preconceitos, como foi citado ao longo deste ensaio. Por isso, devido ao evento que ela se tornou, faz-se imprescindível a preservação de uma memória que compartilhe todo o seu trajeto até aqui, considerando o conhecimento que se construiu através dos estudos sobre a doença, a mobilização para a aquisição de direitos humanos e a prevenção/promoção de saúde, uma maior visibilidade social sobre o preconceito explícito em relação aos homossexuais e, por meio disso, mostrar o que precisamos absorver e modificar daqui para frente.


Por fim, assim como o patrimônio material, a doença também entra nessa disputa de memória sobre outras enfermidades, como se elas dependessem de um valor social para receber a atenção necessária, o que torna mais difícil a conquista de sua preservação, como destaca (SERRES, 2015):

Pode-se supor que os hospitais não figuram entre os bens patrimoniais por diversos motivos, entre outros, por ainda apresentar funções no presente; nesse sentido não poderiam ser “museificados”; por ser locais relacionados à dor e ao sofrimento, portanto mais difíceis de patrimonializar, ou ainda devido a uma visão bastante limitada de patrimônio, restrita a um tipo muito particular de bens, predominantemente monumentais e elitizados, visão que, segundo Maria Cecília Londres Fonseca, (2009) aos poucos vem sendo sucedida por uma visão mais abrangente de patrimônio, como bens selecionados de nossa cultura, relacionados a identidade de comunidades e grupos, não necessariamente monumentais nem sequer necessariamente materiais.

Apesar de o trecho estar relatando sobre a patrimonialização de hospitais, o mesmo acontece em relação às doenças, como a aids que ainda está presente, pois não foi erradicada, e, desse modo, possui uma trajetória pela frente.


CONCLUSÃO


O que buscamos apresentar neste ensaio é uma breve apresentação das questões envolvidas nas discussões sobre o HIV/Aids, considerando a forma como a população homossexual foi fortemente vinculada ao vírus, o que apenas serviu para aumentar o preconceito e a discriminação já existente para esse grupo social. Atualmente, acreditar que essa doença é exclusiva da população gay é escolher viver em estado de ignorância.


Assim como devemos lembrar grandes tragédias como o holocausto brasileiro e nazista, também devemos dar atenção ao contexto de surgimento de doenças, conhecer os malefícios causados pelo preconceito, pânico e falta de informação, pois tudo isso é crucial para garantir/tentar evitar que os acontecimentos sejam repetidos. Do mesmo modo que construímos museus para preservar memórias mais agradáveis, faz-se necessário construir espaços para preservar memórias difíceis.

 
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COMO CITAR ESSE ARTIGO


AZERÊDO, Isabel Almeida; COSTA, Rosiane Rodrigues. A Importância da Patrimonialização de Doenças: Aids em Foco. In:. Revista Me Conta Essa História, a.II, n.15, mar. 2021. ISSN 2675-3340. Disponível em: https://www.mecontaessahistoria.com.br/post/a-import%C3%A2ncia-da-patrimonializa%C3%A7%C3%A3o-de-doen%C3%A7as-aids-em-foco . Acesso em:

 

REFERÊNCIAS


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Forattini,P. O. Aids e sua origem. Saúde Pública. São Paulo,v. 27, n.1, jun. 1993.


Galvão, A. C. Os Muros (In)Visíveis do Preconceito: Um estudo das Representações Sociais das Pessoas que vivem com HIV/aids. Brasília,2009. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/7139.


Garcia, S.; Koyama, M. H. A. Estigma, discriminação e HIV/Aids no contexto brasileiro,1998 e 2005. Saúde Pública., São Paulo, v. 42,p. 72-83, 2008.


JR, V. T. Homossexualidade e saúde: desafios para a terceira década de epidemia de HIV/AIDS. Porto Alegre, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832002000100008. Acesso em: 17 nov. 2020.


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Serres, C. P. J. Preservação do patrimônio cultural da saúde no Brasil: uma questão emergente. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://www.sanarmed.com/artigos- cientificos/preservacao-do-patrimonio-cultural-da-saude-no-brasil-uma-questao-emergente.

Acesso em 19 nov.2020.

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