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“JATAHY: HISTÓRIAS PRA CONTAR” (1995 – 2015)

Levantamentos Iniciais Sobre As Memórias Da População Negra Jataiense Na Exposição De Longa Duração Do Museu Histórico De Jataí

 

LEPH - Revista Me Conta Essa História Set. 2020 Ano I Nº 009 ISSN - 2675-3340 UFJ.

 

Por Michael Douglas do Santos


[1] Graduando em História UFG/Regional Jataí.

 

RESUMO


O Museu Histórico Francisco Honório de Campos (Museu Histórico de Jataí), fundado em 1994, tem se encarregado de forjar identidades, memórias e histórias sobre o passado jataiense. Destarte, a exposição de longa duração “Jatahy: Histórias Pra Contar” de 1995, busca representar a história local, elencando sujeitos, objetos, acontecimentos e narrativas. Nesse sentido, o presente texto busca analisar as representações da população negra presentes na referida exposição, buscando compreender a produção de memórias, as ausências e os silenciamentos sobre a presença e atuação da população negra na cidade, segundo a ótica da instituição museológica. Para tanto, utilizamo-nos do acervo documental e imagético da exposição “Jatahy, Histórias Pra Contar” entre os anos de 1995 até 2015.

Palavras-chave: Museu; Memória; População Negra; Jataí.

 

Priosti e Varine afirmam que “os Museus podem ser entendidos como criações autênticas de suas comunidades, no seu trabalho de construção e sustentação de sua memória social” (PRIOSTI & VARINE; 2006). Portanto compreende-se que estas instituições museais estão sempre a construir novas memórias e narrativas, a partir de objetos retirados de seu espaço e tempo através de um processo de reconstrução, interpelando passado e o presente. Como afirma Myrian Sepúlveda Santos “Os objetos presentes nos museus são resultados de uma multiplicidade de construções sociais e representações coletivas” (SANTOS, 2002).


Concluindo que essas construções sociais e representações coletivas permeiam a execução de exposições museológicas, que refletem as heranças e memórias de um povo, atentamo-nos à necessidade de analisar a história da população negra de Jataí nos espaços de memória da cidade, assim questionado como tem se construído as narrativas em torno da população negra Jataiense, se a memória dos negros tem sido evidenciada nesses espaços ou mesmo se há representações/silenciamentos.

Nota-se que a grande maioria dos espaços museológicos quase sempre foi perpetuada por uma narrativa que apenas privilegia a uma elite local e branca. Os museus empenham um papel votado à preservação de memórias, se constituído uma instituição apta para executar o papel do Estado como agente na garantia de preservação de memórias. Porém ao observarmos a população negra, quando mencionada nesses espaços, é sempre homogeneizada ou até mesmo tem sua história deturpada. Como aborda Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha em seu artigo Museus, Memórias e Culturas Afro-Brasileiras (2017):

É o caso das memórias afro-brasileiras, que foram manipuladas, deturpadas e minimamente preservadas em museus, por conta de um Ideal de branqueamento nacional, que, aliado a um imaginário civilizatório marcado por perspectiva eurocêntrica, produziu imagens sobre a presença do negro na sociedade brasileira marcadas por preconceitos e abordagens reducionistas sobre culturas africanas, suas diásporas para o Brasil e sua participação no desenvolvimento local, ao longo dos séculos até a atualidade. (CUNHA, 2017, p.78)

O Museu Histórico de Jataí (MHJ), denominado Museu Histórico Francisco Honório de Campos, fundado em 1994, ao longo do tempo tem se constituído enquanto lugar de produção/representação de memórias jataienses, bem como, servido de espaço educativo, tendo em vista o grande número de escolas que realizam atividades de visitação no museu e que participam das ações educativas propostas pela instituição. Seu funcionamento se dá a partir de verbas governamentais, bem como da articulação da Associação Amigos do Museu, formada por professores da Universidade Federal de Goiás/Jataí, do Instituto Federal de Goiás – Campus Jataí, servidores do museu e membros da comunidade jataiense.


A proposta inicial do texto consiste em fazer apontamentos iniciais referentes à análise da exposição de longa duração “Jatahy: Histórias Pra Contar” produzida e lançada no ano de 1995, mas que passou por ampliações e reapresentações por diversas vezes entre esses anos, oito no total. Com título sugestivo, a exposição tem a proposta de rememorar a trajetória da cidade de Jataí, localizada no sudoeste goiano, com processo de ocupação de exploração datado por volta de 1836, porém uma exploração de uma área/região já ocupada, mas que não aparece nas memórias locais.

O problema norteador da pesquisa consiste em investigar as possíveis representações da população negra em Jataí por meio da exposição, percebendo silenciamentos, experiências, estereótipos e contribuições para a construção da cidade. Essa inquietude se deu por conta da necessidade de pensar os museus enquanto instituições que produzem memórias e representações, o seu caráter educativo e compreender a necessidade de produzirmos/valorizarmos experiências e trajetórias positivas do viver negro, para além das noções de subjugação, inferioridade, ou redução das experiências de vida da população negra ao contexto da escravidão.

Lugares de Memórias e História

Os museus históricos no Brasil, em sua maioria, propõem representar, por meio da cultura material ou imaterial, o passado de uma sociedade, assim, interferem diretamente na visão de mundo dos seus usuários e das informações apresentadas nos espaços museológicos. Além disso, os museus são aparelhos importantes na construção de identidades e produção de memórias, pois possibilitam que a sociedade tenha contato com versões de suas histórias, por meio das atividades realizadas, exposições de longa e curta duração, ações educativas ou outros trabalhos desenvolvidos por estas instituições.


Em outras palavras, os museus são espaços nos quais se constroem identidades e memórias, tendo como uma de suas funções “legitimar um imaginário junto ao público e, quando cumprem sua função, não conseguem modificar este imaginário com facilidade” (SANTOS, 2006, p.56). O espaço museal é, portanto, também um lugar de memória, capaz de imaginar as sociedades que a representam, sendo assim, podemos através dele interpelar o passado e “desde que haja rastro, distância, mediação, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da história” (NORA, 1993, p.9). Esse exercício de representação do passado não é neutro ou despropositado, pelo contrário, recorta, seleciona, incluí e excluí.


Pierre Nora em seu texto, Entre memória e história: a problemática dos lugares aponta que a memória não existe mais, mas que ela é revivida e ritualizada pela sociedade ao qual se utiliza hoje da história para atribuir lugares onde possamos pensar que não somos feito de esquecimento, e sim de lembranças “os lugares de memória são antes de tudo restos, a forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora” (NORA, 1993, p.12 e 13). Para Nora a necessidade de passado é velada através da busca pela memória.

A separação entre memória e história propõe significados diferentes, ao qual a memória é tida como uma tradição definidora, viva e dinâmica, e dá sentido e forma. Pierre Nora aponta:

“A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suceptível de longas latências e de repentinas revitalizações”. (NORA 1993, p.9)

A história funciona como um opositor, uma narrativa que unifica, separa e seleciona os fatos, sobretudo mata os momentos de memória, pois coloca o passado como algo distante e misterioso, ao qual deve ser ter uma analise, criticada e revista. Nora aponta:

“A história é sempre a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, é um elo vívido no eterno presente, a história é uma representação do passado [...] A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta e a torna sempre prosaica”. (NORA, 1993, p.9)

Pierre Nora diz que a memória emerge de um grupo que a une, há tantas memórias como tantos grupos existentes, já a história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que proporciona uma vocação para o universal. A história é capaz de criar uma identidade universal que precisa ser absorvida e contraposta às várias identidades fragmentadas, cada qual com sua memória específica. A memória existente é então história, e a necessidade da memória é uma necessidade da história.


Quando Nora apresenta sua categoria “Lugares de Memória”, ele conceitua como um misto de história e memória, não há como ter somente memória, tem se uma necessidade de identificação da origem, algo que ligue a memória ao passado fossilizando-o de novo.

“O passado nos é dado como radicalmente outro, ele é esse mundo do qual estamos desligados para sempre. É colocada em evidência toda a extensão que dele nos separa que nossa memória confessa sua verdade, como na operação que, de um golpe a suprime”. (NORA, 1993, p.19)

Nora parte da concepção de que não há uma memória espontânea, verdadeira e específica, mas que se pode acessar uma memória reconstituída que nos dê o sentido necessário de identidade. Ele utiliza-se do ritual de uma memória-história num espaço denominado, lugares de memória, na esperança de reunificar o indivíduo fragmentado com qual lidamos na sociedade contemporânea. Portanto os lugares de memória se configuram como espaços onde a ritualização de uma memória-história pode ressuscitar a lembrança, tradicional meio de acesso a esta.

Os lugares de memória são meios de acesso a uma memória, que não é memória, é história, pois é reconstituída através de vestígios. Nascem e vivem do sentimento de que não há uma memória espontânea “que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais”. (NORA, 1993, p. 13).

A população negra nos espaços de memória

Diante da categoria apresentada por Nora (1993) referente aos lugares de memória é necessário questionar se as representações apresentadas nesses espaços museológicos/lugares de memória abrangem a todos, por ser uma forma de viabilização de representação. Quando falamos, por exemplo, nas representações sobre a população negra e sua cultura é possível perceber um silêncio nessas instituições, dado que essa produção de memórias relaciona-se ao contexto histórico e social no qual são criadas e expressa certa intencionalidade.

Ao refletimos sobre as representações do povo negro dentro desses espaços e a preservação/divulgação da cultura negra, podemos apontar certo silenciamento. As narrativas construídas nestes espaços parecem privilegiar a população branca, “pioneira” e elitizada. Desse modo, entende-se que a preservação de determinadas memórias é resultado de ações políticas cuja finalidade está em definir o que lembrar e o que esquecer. Como aborda Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha em seu artigo Museus, Memórias e Culturas Afro-Brasileiras (2017).

Sendo assim, é necessária a reflexão sobre o que se esconde e se revela no patrimônio preservado, considerando que os referenciais implícitos e explícitos nas materialidades e imaterialidades são múltiplos e complexos, e que preservar é sempre uma ação política, com consequências que ultrapassam o ato de preservar em si. Neste sentido, paradoxalmente, a preservação é ao mesmo tempo necessidade e risco. Necessidade, pois precisamos evidenciar nossa trajetória histórica, e por isso mesmo é também um risco, já que nas escolhas sobre o que preservar, existe muito mais exclusão do que inclusão. Isto se agrava pela ação de quem detém o poder político de escolher o que vai ser preservado, pois esse processo pode levar a visões e ações hegemônicas sobre a memória e sua preservação patrimonializada. (CUNHA, 2017, p.80)

Quando analisamos as identidades negras retratadas nos museus podemos perceber que as mesmas sempre foram representadas com um caráter homogêneo. Porém percebem-se como essas identidades veem se alterando e se reafirmando com a modernidade, através das lutas de movimentos negros, na busca por uma narrativa que contem as experiências negras, que evidenciem uma cultura silenciada. Como afirma Nilma Lino Gomes:

É na década de 80, no processo de abertura política e redemocratização da sociedade que assistimos uma nova forma de atuação política dos negros e negras brasileiras. Esses passaram a atuar ativamente por meio dos movimentos sociais, sobretudo os de caráter identitário trazendo outro conjunto de problematização e novas formas de atuação e reivindicação política. (GOMES, 2007, p.99)

A busca por reconhecimento nos espaços museais tem aumentado gradativamente com o intuito de proteger memórias alternativas à da elite. É necessário que esses patrimônios históricos se adaptem aos novos tempos e as novas demandas da sociedade, que possam refletir as memórias recortadas nesses espaços. O museu pode ser denominado como uma viabilização de representações, no qual suas exposições tornam-se teatro para as memórias, trazendo elementos e imagens articulados em espaços de afirmação de algo ou alguém. Porém, existem fronteiras colocadas nesses espaços para a demarcação do “outro”: os negros, os indígenas ou outras culturas alternativas a elite.


Os espaços museológicos, porventura podem trazer elementos que forjam ou afirmam uma identidade. Sendo assim, uma das formas a qual as identidades restabelecem suas reivindicações é por meio do apelo a antecedentes históricos. De acordo com Kathryn Woodward “as identidades adquirem sentido por meio de uma linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas” (WOODWARD 2009, p.8).


Sendo assim é necessário que se fale mais e melhor sobre as identidades negras nesses espaços de memória, questionando as representações até então predominantes, em que se valoriza a história de uma elite econômica e social, excluindo, diferenciado e hierarquizando culturas. É importante a elaboração de pesquisas que não reforcem esse caráter homogêneo, que de certa forma possa desenvolver narrativas que alterem essa objetificação dos negros, perpetuada por elementos de escravidão.

Museu Histórico de Jataí: um espaço propagador de memórias

As atividades desenvolvidas pelos museus são orientadas por normas institucionais e pelos propósitos de sua criação e funcionamento, podendo forjar histórias, identidades e memórias. O Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos não foge a esses propósitos e preceitos. Considerando-o como um espaço propagador de memórias e identidades, este trabalho tem como objetivo analisar a exposição “Jatahy: Histórias pra contar”, 2005, do Museu Histórico da cidade de Jataí procurando as representações relativas sobre a população negra na mesma.


Reconhecendo o Museu Histórico de Jataí como um espaço representante de memórias regionais, espaço privilegiado para construção de identidades e sua importância na construção de narrativas referentes à história local, resta a dúvida se a população negra é reconhecida e referenciada nesse espaço de memória, de modo a reconhecer a importância social, econômica e cultural da presença dessa população desde o início da ocupação do sudoeste goiano, no século XIX.


As discussões sobre identidade e representação, indicam que “Todas as práticas de significação envolve relações de poder, incluindo o poder para definir quem é excluído ou incluído” (WOODWARD, 2009, p.18). Nesse sentido, quando interrogamos as narrativas construídas sobre Jataí, nota-se a exaltação dos feitos de famílias tradicionais e pertencentes as elites, em sua maioria proprietárias de terras. Ao que parece, as exposições sobre Jataí realizadas no MHJ acabam por reproduzir parte dessa lógica do poder.

Compreende-se que o Museu Histórico de Jataí desempenha um importante papel na constituição de representações sobre a história local. Do mesmo modo, funciona como lugar de memória, selecionando, excluindo ou recortando aquelas que devem fazer parte ou não de suas narrativas. Certamente, esse processo de seleção está alinhado com as normas museológicas e as pesquisas históricas desenvolvidas sobre a região. As exposições apresentadas pela instituição têm um teor pedagógico e educacional, ao comunicar ao público, em forma de exposição, os resultados dos trabalhos de pesquisa.


Discutir como a população negra é representada nos espaços de memória de Jataí, nesse caso especificamente no MHJ, é de extrema relevância, pois, permite analisar violências e privações de liberdade às quais os negros foram submetidos, além disso, permite que problematizemos o silenciamento sobre as ações e estratégias utilizadas por essa população para resistir e sobreviver as dificuldades resultantes da cor da pele, do processo de escravização e do racismo institucionalizado no Brasil. Quando observamos esses espaços museológicos, quase sempre as representações sobre a população negra são mínimas ou homogêneas, deturpando toda uma cultura.


Atentamo-nos ainda para elementos narrativos que contenham a importância da população negra perante a construção da cidade e se as suas experiências estão sendo contadas nesses espaços de memória. Assim, procura-se analisar a produção de exposições de modo a verificar em seus textos, imagens, objetos apresentados a visibilidade ou silenciamento sobre a população negra, ou até mesmo questionar se esses espaços estão contribuindo para a exclusão ou produção de materiais que refletem apenas uma visão deturpada ou homogeneizada da população negra da cidade de Jataí.

Exposição – Jatahy: histórias pra contar

Quando tivemos acesso a reserva técnica do MHJ, nos deparamos com uma inconsistência de informações entre os boletins do museu e dos registros fotográficos em relação a exposição. Seu lançamento ocorre no ano de 1995, quando o projeto de boletins anuais ainda não existia. Anterior a 2005, a exposição foi apresentada em 1995 ano de seu lançamento e posteriormente em 1998. Os registros que nos possibilitaram ter conhecimento dessas edições consistem apenas em fotografias dos eventos de abertura, não sendo, num primeiro momento, úteis para a construção de nossas análises.


A exposição é pensada a partir de fotografias do desenvolvimento urbano de Jataí desde fins do século XIX até na primeira metade do século XX. Analisando o projeto da exposição, percebemos que a mesma fora pensada retratando a trajetória da elite local, sendo incorporada à exposição a narrativa produzida pelo memorialista Basileu Toledo França, intitulada Pioneiros (1954).

Em relação a apropriação da obra memorialista, compreendemos, de acordo com Pesavento (2004) que as narrativas literárias constroem representações acerca da realidade em que o texto fora produzido. Nesse sentido, a sua produção (escrita, linguagem e leitura) e recepção tem potencial formativo.


A apropriação da obra, que de acordo com França, tem “o propósito único de preservar documentos, pôr em relevo homens e mulheres admiráveis, contar enfim a luta, as alegrias e as tristezas dos nossos primeiros, sem esquecer a contribuição dos humildes e obscuros negros”, sem a devida crítica consiste em reverberar uma história excludente, elitista e calcada na liberdade da produção memorialista/ficcional sem o rigor teórico-metodológico necessário para o campo da História enquanto produtora de conhecimento.

A exposição ao incorporar essa narrativa restringe a(s) história(s) de Jataí ao contexto de produção/recepção da referida obra, reproduzindo uma história única, centrada na atuação de sujeitos e experiências da elite local.


A figura (1) a ser apresentada, retrata o Clube Carnavalesco Social, entre os anos de 1934/1935, que era comandado pelo então prefeito Carvalhinho. Na fotografia não localizamos “gente de cor”. Da mesma forma, nos propomos a intercruzar as fotografias com fontes impressas, tendo em vista a circulação de jornais locais no período, podendo fazer o levantamento por exemplo, de quem compunha o bloco, quais festividades propunha, seu período de duração, etc., bem como acessar os arquivos do museu em busca de mais fotografias sobre o bloco. A partir desse entrecruzamento de fontes, podemos dar conta de uma maior dimensão do carnaval local, bem como da participação da população negra nessas festividades.


Figura 1 – Clube Carnavalesco Social.

Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí.

Analisando a fotografia e lançando hipóteses acerca das demandas em torno da fundação do Clube 13 de Maio de Jataí, fundado na década de 1940, nos questionamos se o mesmo não surge a partir da necessidade de um espaço de sociabilidade protagonizado pela articulação da população negra, tendo em vista as ausências da fotografia.


O clube 13 de Maio, foifundado pela população negra jataiense com o intuito de arrecadar fundos para o movimento negro da cidade, e tem seus primeiros bailes e matines organizados por essas pessoas não presentes na fotografia. Percebe-se que essa população se movimentou para a criação do mesmovisto à necessidade de um espaço para essa população negra.


A figura (2) apresenta o “Jatahy-Foot-Ball-Club”, time de futebol da cidade, e pela fotografia conseguimos identificar quatro jogadores negros. A etiqueta da exposição nos dá o nome de três deles, da direita para esquerda, a seguir: (11º sentado) Aureliano silva, (9º de pé) Pecidonio Nascimento, (3º agachado) Juventino Auristel Santos e (4º agachado) não identificado. Pela data da foto 1915, buscaremos por jornais locais que possam nos fornecer maiores informações sobre a campanha do time, quem eram seus jogadores, para assim, quem sabe localizar informações sobre estes jogadores. Pois se tem a presença de jogadores negros, mas não há uma menção sobre quem eram de fato tendo apenas seu nome referenciado, nesse sentido aos cruzar as fontes pode tentar se construir a trajetória dessas pessoas negras que faziam parte desse time ou se tiveram alguma importância para o mesmo.


Figura 2 – Fotografia do Jatahy-Foot-Ball-Club. Ano: 1915

Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí.

Na fotografia apresentada acima, percebe-se que nas narrativas a cerca da história de Jataí tem se a ausência de pessoas negras, um dos exemplos é o (3º agachado) Juventino Auristel Santos, um homem negro que fez parte dos precursores do movimento negro na cidade de Jataí, colaborando para a fundação do Clube 13 de Maio, espaço de sociabilidade ao qual a população negra era frequente e bem tratados, visto que nos outros espaços da cidade tinham sua presença barrada. Juventino teve sua história excluída das narrativas, e o clube 13 de Maio também, pois teve seu terreno e espaço de memória derrubado/retirado. A ausência de memórias da população negra é negligenciada

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensando o Museu Histórico de Jataí enquanto um lugar de memória, percebemos que a instituição desde a sua fundação em 1994, dedicou-se a trazer exposições com um teor pedagógico e educacional. Apontamos então para a implementação da lei 10.639/2003 que torna obrigatório a implementação nos currículos escolares os estudos sobre história e cultura afro-brasileira, ou seja, considerando o museu como um espaço que produz conhecimento e tem seu papel na formação educacional, notamos que não há um número relevante de exposições que fazem referência à população negra, pelo contrário, nos resta apontar como a perspectiva da exposição “Jatahy: Histórias pra contar” consiste em retratar a trajetória da elite jataiense, pensando os casarões coloniais, as casas de comércio e representações de espaços de sociabilidades que pertenceram a um grupo localizado, parte da elite.


Atentamos também para as normas institucionais que perpassam os museus, nesse sentido o MHJ não é composto por uma equipe de historiadores ou arqueólogos que possibilitem a realização de pesquisas e exposições. O MHJ é uma instituição no qual suas verbas são provenientes da prefeitura, porém não há um caixa que possa financiar essas exposições, diante disso muitas das exposições realizadas, quase sempre são viabilizadas por meio de alguma doação, de um cidadão local ou de outras instituições museais.

Mesmo diante das dificuldades ao qual se perpassam na realização de pesquisas e exposições, seja por falta de verba ou visitas, o MHJ ainda sim, tem se ressignificado nos últimos anos, mais precisamente a partir de 2016, quando se constata a realização de eventos por parte de pesquisadores e colaboradores do museu. A ausência de memórias da população negra de Jataí foi uma constante, visto que no acervo documental se pode encontrar poucas fontes e referências para a (re)construção de memórias que possam trazer visibilidade a essas narrativas acerca dos negros/negras jataieses.

Esse processo de ressignificação aponta a necessidade de produzir narrativas que apresente a história local, preenchendo as lacunas existentes de modo que os excluídos das narrativas até então produzidas possam ter suas memórias preservadas nas produções locais propostas por esse espaço de memória que é o Museu Histórico de Jataí.


Desde 2016 o MHJ tem se proposto a contribuir na produção de exposições e atividades que represente a história da população negra local, como por exemplo, a exposição “Os últimos anos da escravidão em Goiás” de 2016, em comemoração aos 22 anos do MHJ, a exposição “Terreiros de Fé” em 2017 e a última realizada em novembro de 2019, “Clube 13 de Maio e os negros e negras na história de Jataí”, para além de outras atividades enfocando a população negra de Jataí e sudoeste goiano.

 

COMO CITAR ESSE ARTIGO


SANTOS, Michael Douglas do. “Jatahy: Histórias Pra Contar” (1995 – 2015) Levantamentos Iniciais Sobre as Memórias da População Negra Jataiense na Exposição de Longa Duração do Museu Histórico de Jataí. In:. Revista Me Conta Essa História, a.I, n.09, set. 2020. ISSN 2675-3340. Disponível em: https://www.mecontaessahistoria.com.br/post/jatahy-hist%C3%B3rias-pra-contar-1995-2015 . Acesso em:

 

REFERÊNCIAS

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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

PRIOSTE, Odalice Miranda; VARINES, Hugues de. O novo museu das gentes brasileiras, criação, reconhecimento e sustentabilidade dos processos musicológicos comunitários. In: Caderno de Sociomuseologia nº 28. ULHT, Lisboa, 2007.

SANTOS, Myram Sepúlveda dos. A representação da Escravidão. Anais do Museu Histórico Nacional. N. 40. Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional, 2008.


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SANTOS, Myram Sepúlveda dos. Políticas de memória na criação dos Museus Brasileiros In: CHAGAS, Mario de Souza; SANTOS, Myram Sepúlveda dos (orgs.). Cadernos de Sociomuseologia: Museus e Políticas de Memória. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. 2002.

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FONTES

Acervo documental MHJ – exposição “Jatahy: Histórias pra contar” 1995 – 2015.


Acervo documental - “Clube 13 de Maio e os negros e negras na história de Jataí” 2019.

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